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Foto do escritorBernard Gontier

O Primeiro Congresso Nacional de FDPs


O Primeiro Congresso Nacional de FDPs realizou-se ontem na Cidade de São Paulo, no bairro Quinta da Aprazível Vista, local este por enquanto esquecido do poder público, ainda ignorante da sua existência pois do contrário seria crivado com tarifas, multas, ciclovias e radares. Cada participante do congresso representa seu respectivo estado de origem, não sendo porém, o representante, figura pública ou privada de qualquer espécie ou estirpe, destacando-se apenas e tão apenas como humilde anônimo e sem mais nada a declarar, exceto o que declarou de livre e espontânea vontade durante a assembléia, por sinal, presidida por um veterano de origem incerta dotado de algum conhecimento sobre as coisas todas, reunidas ou fracionadas. A intenção do empreendimento foi estipular sem grande rigor um censo sobre a quantidade aproximada de FDPs em cada estado, número esse quantificado a partir da noção de cada representante. O evento teve monta numa praça sem nome que conta com árvores graúdas e intervaladas acolhendo, em seu eixo central, uma meia lua com degraus de pedra onde percebe-se fiapos de grama ressequida a crescer pelas bordas - todo o conjunto insinua o formato de um arena bucólica, propícia para dias subtraídos de vento e chuva.


Sem mais delongas o decano abre a sessão, chamando o representante do estado do Acre, o que já ocasionou tumulto, por que ele? Por que não o representante do estado do Piauí? Ou o do Sergipe? Houve bate boca, o deão bocejou após emitir um grito de ordem, todos se calaram, ele argüiu ser investido de saber, que muito pensara e se esforçara para organizar tal empreita, que tratava-se de uma questão cívica, que a nação precisaria reunir uma noção, mínima que fosse, sobre o montante de FDPs em seu território, e que ninguém, nunca, em instante algum, em especial no presente momento, muito menos um bando baderneiros, iria lhe roubar o prazer de ver esse projeto concluído. Começariam pelo Acre porque assim fora decidido e que se alguém tivesse qualquer objeção que fosse ter com ele mais tarde.


Poucos sabiam quantos estados existem no país, sem mencionar os que confundem “empanturrado" como um estado.


Parte deles acha que a moral da história de Adão e Eva é não coma se estiver nu.


O único representante de Minas Gerais, reumático, gago, míope, expressou que o governo não deveria dirigir as coisas para as pessoas, mas antes dar suporte a elas. Ouviu-se uivos e aquiescências.


Uma mulher de idade indefinida, trajando um vestidinho de chita, disse que após acirradas deliberações com conterrâneos, calculou o total de quatro FDPs em seu estado, o Ceará. Curiosamente, o mesmo montante foi alcançado pelo Acre, Rio de Janeiro e Espírito Santo.


Após um distúrbio com a delegação do Rio Grande do Sul, que insistia em fazer explanação sobre os Pais Fundadores do Brasil Moderno, começando por Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850, o Benjamin Franklin brasileiro), houve severa advertência, caíram em si, confabularam e por fim chegaram ao número de cinco.


Duas senhoras do Amapá disseram que esse fórum não apresentava o charme do Clube de Bilderberg e em que todos o 142.815 km² que compõem a área amapaense só havia três FDPs, um dos quais na UTI e que esta quantia poderia ser revisada.


A comissão goiana ficou impedida de se manifestar dada sua proximidade com o distrito cujo nome não se pronuncia durante o congresso. Que adentrou a noite entre discussões acaloradas. O time paulista gostaria de saber se era permitido utilizar o método pedagógico dos jesuítas para chegar na soma exata.


Lá pelas duas da madrugada o decano, exaurido, desidratado, com olheiras fundas e a barba por fazer, deu por encerrado o simpósio. Pelos seus cálculos o país contava com uma média de quatro FDPs por estado. Depois, em tom solene, declarou que essa cifra traduzia uma certa inocência, que a mesma tem sua importância na existência de cada um, mas, suspirou, nada foi feito para durar. Que deve-se abrir espaço para as pessoas. De modo geral, disse coçando a cabeça e olhar vago, a gente começa e vai até onde consegue. Então alguém tem a oportunidade de continuar de onde o outro parou. Trata-se do fluxo contínuo da vida que, no meu precário entendimento, não dá muita importância ao fato da criatura ser ou não FDP.




(Imagem: Jan Brueghel, o Jovem, The Bad Shepherd, cerca de 1626, óleo sobre painel)



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