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Do que elas gostam

Foto do escritor: Bernard GontierBernard Gontier


-As carpas? Não sei. Sento-me nesse banco e jogo miolo de pão para elas.


- Elas...- ruminou o sujeito, que acaba de sentar ao meu lado – quem lhe garante que as carpas não são “macho”? Os desavisados, ao olharem para um pasto com gado de corte, referem-se aos bois como vacas, percebe? Há uma distinção. O mesmo se dá com os bezerros, assim são chamados, mas nem todos são machos.


- De fato, pensando por esse lado...os elevadores, por exemplo, são todos machos.


- Verdade. Os disquetes também.


- Ninguém usa mais disquete.


- O que não invalida a questão – argumentou.


Incrível, o que se filosofa nessa época.


- As vitrolas são fêmeas – disse eu – as moviolas e as carruagens também.


- Ninguém mais usa – refletiu o sujeito, com o olhar perdido no horizonte. Daí, como um relâmpago, afiançou:


- O horizonte é macho.


- Vero. Mas a paisagem é fêmea.


- Existem horizontes sem paisagem, e paisagens sem horizontes.


- Vero – repeti – tipo aquelas paisagens nos apartamentos, um monte de plantas no terraço.


- Apartamentos são machos – disse ele – eu tenho um. Com terraço.


- Viadutos também são machos – assegurei-lhe.


- Janelas são fêmeas.


- Como a televisão.


- Que não deixa de ser uma espécie de janela – explicou.


Joguei mais miolo de pão para as carpas.


- Rádios são machos – volveu o sujeito – muito machos. Sem imagens, lhe despertam a imaginação.


- Duas fêmeas.


- ?


- A imagem, e a imaginação – expliquei.


- O amigo tem razão. Mas no caso do rádio, elas entram pelo ouvido, que é macho, e saem pela boca, que é fêmea.


Quietude.


- Razão é fêmea... – soltou ele, quase com um ponto de interrogação.


Calei. Profunda questão.


- Repare...- apontou o sujeito – é quase noite. A lua desponta.


Lá em cima no céu, um fiapo de lua.


- Crescente – asseverei – crescente é macho.


- Justo. Minguante também. Por causa desses temporais, estamos sem luz lá em casa.


- Luz é fêmea – garanti-lhe, posto que, agora, tornara-se irrefreável.


- Como a minha mulher e as minhas filhas – disse o homem – que foram para a minha sogra, pois não queriam ficar à luz de velas. Essa praça fica iluminada até que horas?


- Até às dez.


- Eu trouxe um baralho.


- Baralho é macho.


- Pois. Queres jogar? Você não me parece muito atarefado.


- Não mesmo – assenti – o que vamos jogar?


- Tranca.


- Tranca é fêmea.


Lá pelas tantas, saciados pela tranca e pelas suntuosas reflexões, ele indagou:


- Afinal, do que elas gostam?


- Não sei. Acho que de miolo de pão.


- Miolo de pão é macho – atestou.


- Pois.


- Mas eu não estava me referindo às carpas – disse o sujeito.


- E nem eu me atrevendo a cogitar a resposta.


Paramos um segundo e dissemos ao mesmo tempo:


- Resposta é fêmea!


Depois nos despedimos, cientes de que isso não iria ter fim.


(Fim é macho). (Imagem: Frank Bramley)

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