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Foto do escritorBernard Gontier

“Butch Cassidy” (Butch Cassidy and the Sundance Kid) 


A vida de um ladrão é pautada pelo que poderia se chamar de "economia de abundância", um preceito que por si só rema contra o próprio conceito denominado economia — “ciência das escolhas num mundo de recursos limitados”.


Na vida real de Robert LeRoy Parker (Butch) e de Harry Longabaugh (Sundance), eles não foram apenas para a Bolívia, como é mostrado no filme. Foram antes para Buenos Aires, usaram nomes falsos, colocaram 12 mil dólares no banco e ainda por cima ficaram íntimos do vice cônsul americano. Para se ter uma idéia, 1.000 dólares era dinheiro pra xuxu em NY, no início dos 60. Imagine 12.000 em Buenos Aires, em 1901, data em que eles chegaram por lá. Não há abundância que chegue na existência do assaltante, assim como o correlato entre o real e o imaginário proposto pelo cinema funciona exatamente como uma passagem para outra dimensão, dito assim para não nos imiscuirmos nos termos “criatividade” e afins.

George Roy Hill, o diretor, criou uma bolha que tem resistido bravamente às intempéries da modernidade, tanto as benignas quanto as pouco benignas. Em qualquer lista top de filmes que apareça, que aliás sempre aparece de tempos em tempos, “Butch Cassidy” está lá, impassível, e durante duas décadas, quando os estúdios e ou distribuidoras decidiam fazer um clipe com vários filmes - não faltavam as cenas do Paul Newman andando de bicicleta e do Redford pulando no vagão do trem.

É de se perguntar: por que? Se não tem a intelectualidade de um Fellini, a plasticidade de um Kubrick, a profundidade de um...por aí vai. Trata-se de um bangue-bangue. Por que, afinal, é tão sedutor?

Facilitando a vida do incauto e remodelando a sinopse oficial, “Butch Cassidy” conta a história de Butch (Paul Newman) e Sundance Kid (Robert Redford), que vivem de assaltar trens e bancos e quando começam a ser caçados implacavelmente, resolvem ir para a Bolívia. (Ponto.)

Edulcorando a vida do não incauto, ou do incauto que não se importa com floreios, é sabido que o roteiro zanzava de mão em mão pares de anos antes de rodarem a primeira cena (1968). Steve McQueen esteve para comprar esse roteiro num final de semana de 1967, por 200 mil dólares, e ainda convidou Newman para sócio, que topou de imediato pois o script zanzante já havia zanzado pelas suas mãos, mas o negócio não foi feito. Pouco tempo depois a 20th Century Fox, já de posse do trabalho, propõe para a dupla McQueen/Newman os papéis de, respectivamente, Butch Cassidy e Sundance Kid. Ou seja, era para o McQueen interpretar o falante e cheio de idéias Butch e Newman fazer o pistoleiro lacônico Sundance. Não aconteceu assim e George Roy Hill, (o diretor), fez questão de Redford para o papel de Sundance.

O que fazem eles na história contada por Hill? Assaltam trens e vão para a zona, isso na primeira parte do filme, e na segunda se despacham para a Bolívia e assaltam bancos. A dupla água e vinho, desde o principio, motivados ou não, já se percebe um tanto falida nos seus afazeres e pensa no futuro, cogitam até um emprego público, (entrar para o exército), tem de resolver crises intestinas do próprio bando e, ponto alto da narrativa, fugir como o reticências da cruz de seus perseguidores.

Na vida real, a gangue do Buraco na Parede (Hole-in-the-Wall) fez um estrago considerável nas regiões vizinhas assaltando bancos, comboios, carruagens, trens, cavalos e gado. Butch mantinha uma fazenda de fachada num local cuja formação geológica possibilitou durante anos encobrir as atividades criminosas da quadrilha.

Paul Newman sempre disse que o roteiro era perfeito, e que mesmo com outros atores este seria sempre um grande filme.

Em entrevista realizada em 1994, Robert Redford conta que o diretor lutou por ele, já que o estúdio só queira estrelas. Redford tinha 30 anos e era razoavelmente conhecido por “Descalços no Parque”. Ele conta que toda a experiência foi, primeiro, surpreendente, porque a crítica desceu a lenha no filme, depois, inesquecível, pois foi o filme que mudou sua vida. “A crítica não sabia do que o público gostava. Acontece com muita freqüência. Estão tão ocupados criticando o aspecto intelectual, que deixam de notar o que sensibiliza a platéia. A própria música foi bastante criticada também. Eu mesmo não entendia aquela letra de Gotas de Chuva Que Caem Sobre a Minha Cabeça...Me surpreendeu o sucesso e a maneira como o filme atingiu tantos segmentos da sociedade...Acho que é pelo fato de mostrar, de modo divertido, um certo vínculo afetivo, um certo tipo de afinidade numa amizade real, quer seja com o sexo oposto ou com o mesmo sexo...Outra coisa que pegou foi aquele negócio do “Who Are Those Guys?”.

“Quem são esses caras?”, se perguntam a todo instante os perseguidos Butch e Sundance, e essa perseguição entra no rol pela idéia brilhante de mostrar os 6 homens da lei em seu encalço vistos do mesmo modo como funciona o olho humano quando vê algo de longe. Existe um ritmo nessa caçada, em meio aos truques de apagar vestígios que são engendrados mas não funcionam, que até hoje consegue despistar os imitadores.

Historicamente, Robert LeRoy Parker (Butch) foi mesmo considerado o mais afável bandido que se tinha noticia naqueles 1880 e poucos ao passo que Harry Longabaugh (Sundance) diferia bastante do mocinho entre aspas das telas. Em Cody, Wyoming, Longabaugh era considerado um assassino de marca maior.

Katharine Ross no papel de Etta Place dá o toque que faltava. Etta era a namorada de Sundance, no filme tratada como uma professora do primário mas, dizem, seria mais certo supor, já que tudo que se tem sobre ela é uma fotografia tirada em Nova Iorque pouco antes do embarque do trio para Buenos Aires, é que Etta seria na verdade uma prostituta do bordel de Madame Fannie, em San Antonio, Texas.

Eis a verdade, jogando por terra a doçura das fábulas.

“Butch Cassidy” não é um filme histórico mas antes uma torcida nos fatos, cuja “luz na janela” tornou memoráveis incontáveis cenas, incluindo as de Ross na garupa de Newman ao som de “Raindrops Keep Falling On My Head” de Burt Bacarach, na voz de B.J. Tomas.

“Butch Cassidy” fez história, isso sim.

Seu primeiro dia de filmagem se deu em 16 de setembro de 1968, na ferrovia que liga Durango a Silverton, Colorado, pois havia ali um trem da época em pleno funcionamento.

Lulu Betanson, irmã de Butch, esteve no set e olhou com disfarçada ironia cavalos e vaqueiros. O estúdio tinha grande preocupação com ela, já que se tratava de um parente vivo do morto. Queriam que ela fosse à estréia, que endossasse o filme. Redford fez as vezes de intermediário entre ela e o estúdio. Parece que ficaram amigos até o fim da vida dela, que já beirava os 80 na época. Lulu era criança quando Butch caiu na estrada e trocaram muitas cartas ao logo do tempo. Redford conta que ela era “dura na queda” e ao passo que o estúdio queria o seu endosso, ela replicava: mas eu ainda não vi o filme. O estúdio pedia: coopere, o filme já está na lata. Ela dizia: mas eu não estou na lata. Trocando em miúdos, Lulu Betanson queria dinheiro e a 20th Century Fox enfim cedeu.

Se todos, sem exceção, afirmavam que o roteiro era uma jóia, todos também juraram solenemente que o trabalho de Roy Hill duplicou o que estava nas páginas e este, por fim, atestou que o bom funcionamento do espetáculo se deu graças a generosidade de Newman para Redford e vice versa. Hill disse que astros em geral são muito mesquinhos, um querendo aparecer mais do que o outro, e foi justamente isso o que não ocorreu durante a feitura do show.

“Nostalgia é o que costumava ser”, comenta Newman sobre “Butch Cassidy”, quase 30 anos depois e acrescentando: “É um filme que foi rodado. Ou seja, antes se rodavam filmes. Hoje se rodam orçamentos, agendas, bônus, lançamentos...”.




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